quarta-feira, 17 de setembro de 2008

CRÔNICA DA REDOMA

Um dia, depois de vários abalos, vi minha redoma rachar de cima abaixo e quebrar. E pela primeira vez me vi do lado de fora e gostei. Uma vez aqui fora, não penso na possibilidade de voltar. E aqui fora, respirando outros ares, enxergo novas cores, escuto outros sons, vejo um mundo repleto de possibilidades e combinações jamais imaginadas. Encontro minha própria identidade, refaço minha história, trilho o meu caminho e planejo coisas impensadas de serem realizadas dentro de uma redoma com vidros grossos e escuros.
Também vi que o mundo fora da redoma é perverso e complicado. Existem barreiras tão intransponíveis como as paredes de vidro grossos. Pensei em desanimar e voltar para a segura redoma e perder todo aquele instante de beleza e novidade. Resisti, pois, uma vez já exposta, queria que aquele momento se perpetuasse.
Decidi o enfrentamento, já que não poderia fugir e tinha escolhido esse caminho de prazer e dor. Um pouco de dor para depois ter o prazer. Árduo e torturante caminho de pedras pontiagudas, por onde às vezes me firo. Dilacera, sangra, dói e depois cura, por vezes deixando cicatrizes que tornam menos visíveis com o tempo. Refeita, sigo em frente e me preocupo em tomar cuidado onde pisar. Por vezes, encontro uma pedra lisa e segura, onde fico um tempo nela buscando forças para continuar caminhando. Todo caminho é difícil por si só. Até os aparentemente sem buracos e pedras. Estando na redoma ou não. Mas existem os atalhos.
Aqui fora é muito mais difícil. Tenho mais preocupações e dúvidas. Mais medo, insegurança e tristeza. Mas também tenho mais momentos de alegria, diversão e prazer que a todo custo tento prolongar, repetindo sempre meu mantra pessoal: "a felicidade é que tem que ser prolongada e não a tristeza."
Comparei minha vida dentro da redoma com essa aqui fora e me achei medíocre, rasa. Encontrei nas outras pessoas um parâmetro diferente de que tinha para medir intensidade da vida. Pessoas diferentes, vidas diferentes e intensidade idem. Diferente do estilo redoma. Entristeci-me e vi que tinha perdido um grande tempo e que muito havia de se recuperar. Alegrei-me em seguida, ao pensar que saí a tempo, embora tardiamente, e que poderia correr atrás do tempo perdido. 
Aprendi novas maneiras de me comunicar. Descobri as palavras que um dia me faltaram e assim elas fizeram algum sentido, quando dispostas, displicentemente, sobre o papel. E que quando lidas, trazem à tona um pouco de tudo que há imerso dentro de mim. De quem eu não conhecia, de quem aprendo a cada dia, de quem aprendo a rir e às vezes chorar, de quem quero que aprendam a gostar.


Um comentário:

Nana disse...

Belíssimo post!

É impressionante como mesmo nós duas tendo histórias de vida absolutamente diferentes, a identificação com tuas palavras e teus sentimentos é imediata!

É difícil recuperar o tempo perdido, minha amiga. Mas não é impossível, principalmente se você não ficar olhando pra trás, pensando no que perdeu. Olhe pra frente sempre e siga seu caminho. Seja feliz!

Beijão!